Hesitei muito antes de escrever este artigo. Foi, talvez, a minha experiência mais intensa em viagem e aquela que despertou um maior número de emoções. Foi, sem dúvida alguma, o local mais sombrio que visitei e por muito que se leia sobre os campos de concentração, por muitos documentários e fotografias que vejamos, por muitos testemunhos que passem na televisão… nada nos prepara para o que vamos encontrar: os números passam a ter rosto; o frio e o calor que sentimos passam a ser comparados com aquilo que sentiríamos se estivéssemos vestidos com um pijama de tecido fino, velho, com buracos e que causa irritações na pele. O que faríamos se estivéssemos naquele lugar em plena Guerra? Será que sobreviveríamos? Somos uns sortudos.
De Cracóvia à cidade de Auschwitz são aproximadamente 45-60 minutos e durante o percurso de carro vemos um documentário sobre o Holocausto e os campos de concentração locais. O aperto no peito e o nó na garganta começam bem antes de chegarmos ao famoso portão que indica que "o trabalho liberta" (e que, curiosamente, tem um B colocado de pernas para o ar de forma propositada - o prisioneiro que o colocou, fez com que esse detalhe demonstrasse a sua revolta e a ironia daquela frase).
Mesmo antes de passarmos debaixo dessas palavras, percebemos que a nossa visita será mais ou menos marcante consoante as pessoas que estiverem no mesmo grupo e o guia turístico que nos vai acompanhar - 1) a forma como a História nos é contada faz toda a diferença e 2) o respeito que as pessoas à nossa volta têm pelo local torna cada visita mais ou menos marcante. Felizmente, durante a minha visita, não houve selfies para reprovar ou piadas desagradáveis para repreender; um silêncio ensurdecedor envolvia o local onde estávamos e a maior parte das pessoas mantinha os olhos no chão enquanto o guia falava. No entanto, não posso deixar de admitir que a forma leviana com que uma pessoa do grupo encarou a visita me incomodou bastante - não consigo compreender como alguém consegue rir e ter conversas paralelas durante uma experiência deste nível.
Quando visitamos os campos de concentração - chamados também de campos da morte, pois Birkenau foi construído exclusivamente para exterminar milhões de pessoas - exploramos um dos lados mais negros da História. Passamos a ser capazes de atribuir rostos e nomes aos números que já conhecemos, aprendemos que cerca de três mil portugueses também morreram ali, descobrimos que, a certa altura, apenas 25% das pessoas que chegavam ao campo eram registadas (o que significa que os números são ainda mais terríveis) e reconhecemos, agora sim, que a II Guerra Mundial não aconteceu assim há tanto tempo. Entre edifícios que causam arrepios, um sol que nos faz imaginar como seria torturante trabalhar a altas temperaturas sem uma alimentação adequada (calculo que no Inverno seja ainda mais duro), objetos que foram retirados aos prisioneiros e fotografias que nos atiram para uma realidade pavorosa... é difícil ficar indiferente. Na verdade, é difícil não sentir as lágrimas nos olhos e um misto de revolta, tristeza, fúria e indignação.
Quando fazemos a visita completa, passamos pelos dois campos de concentração - Auschwitz e Birkenau - e mil e uma questões surgem no nosso pensamento. O nosso guia foi absolutamente incansável: contou-nos detalhes que normalmente não são divulgados nos documentários; notava-se que ele dominava o tema, que procurava sempre saber mais, que nunca parou de estudar e que estava ali por vocação e não por obrigação. Apesar de transparecer uma ligação emocional ao local, deu todas as instruções de forma clara, fez avisos perante as salas que causam mais impacto e dor nos visitantes, deixou-nos à vontade para nos afastarmos do grupo em momentos mais críticos, respondeu a todas as questões - e acreditem, havia muitas! -, não apressou a visita e explicou o motivo para não haver permissão para fotografar algumas salas ou objetos (os espaços onde não é permitido entrar ou fotografar guardam memórias muito duras de pacientes mais específicos; esta regra serve para proteger a privacidade das famílias e das vítimas). Acredito que a visita guiada seja mais significativa do que a visita livre - se todos os guias forem como o Jacob, vão perder muita informação se optarem pela segunda opção.
Toda a visita é bastante pesada - é mesmo preciso que tenhamos isto em consideração e que tentemos mentalizar-nos para a fazer - mas houve duas coisas que me incomodaram (ainda) mais do que as restantes: 1) as fotografias dos prisioneiros, com a respetiva legenda, fizeram-me perceber que 99% das vítimas seriam hoje mais jovens do que a minha avó e 2) a câmara de gás - confesso que ganhei coragem para entrar, mas fui a primeira a sair - as marcas nas paredes de cimento fazem-nos sentir a aflição de quem ali faleceu; senti-me absolutamente claustrofóbica naquele cubo cinzento.
Há uns anos percebi que não podia simplesmente ignorar a existência de Auschwitz-Birkenau e que teria de enfrentar o medo de visitar os Campos. No entanto, no dia da visita confirmei aquilo que já imaginava: este é um espaço que deveria ser visitado por todos, especialmente agora que parece que toda a gente se esqueceu que isto aconteceu e que a extrema direita ganha força um pouco por todo o mundo. Mais do que uma experiência sombria, esta é uma forma de sensibilizar a sociedade - ao longo da visita encontramos muitas mensagens e citações que tentam cumprir esse objetivo e que nos fazem refletir sobre a atualidade e o comportamento que privilegiamos enquanto comunidade; é impossível ignorar. Sabiam que em Auschwitz há diversas homenagens aos prisioneiros e aos que combateram o mal? Existe, por exemplo, um tributo ao homem que se voluntariou para morrer em vez de outro prisioneiro, sendo que o seu pedido foi aceite e o prisioneiro salvo sobreviveu à tortura e foi libertado.
Fiquei a saber MUITO mais sobre o que ali se passou e mesmo tendo sido uma experiência dura, intensa e de emoções muito fortes (ao ponto de não conseguir fazer mais nada no resto do dia para além de tentar dormir), sinto que foi uma visita válida e importante para o meu crescimento. As toneladas de cabelo, as roupas e sapatos de famílias inteiras (de mulheres, homens, crianças, bebés...), o número de mortos e os registos detalhados assustam? Sem dúvida. Contudo, ver tudo isto de perto é essencial para a nossa comunidade global. Não podemos deixar que o medo nos impeça de saber mais - apesar de ter sido um espaço de tortura, é também um espaço de atos corajosos, de histórias de vida extraordinárias, de sobreviventes (e as pessoas que são corajosas o suficiente para trabalhar ali - ou para viver nos arredores dos campos, em casas que foram utilizadas por verdadeiros criminosos - não nos deixam esquecer isso). A mensagem mais forte que posso partilhar é que, em Auschwitz-Birkenau, conseguimos sentir o pior e o melhor do ser humano.